Iodo: um elemento a não esquecer

Na preconceção, gravidez e na amamentação as necessidades de iodo estão aumentadas. Conheça as orientações da OMS e da DGS para alcançar os níveis corretos.

O que é o iodo e para que serve?

O iodo é um elemento natural que existe na crosta terrestre de forma diminuta. No ser humano o iodo é fundamental para a produção das hormonas geradas pela glândula Tiroide (Hormonas Tiroideias). Estas são por sua vez essenciais para as várias etapas do metabolismo e desenvolvimento humano. A redução da função da Tiroide por falta de iodo pode levar a mecanismos de compensação como o Bócio (aumento do volume da Tiroide) e até mesmo ao Hipotiroidismo (redução da concentração de Hormonas Tiroideias), muitas vezes associado a redução do metabolismo geral com lentificação, cansaço, aumento de peso, etc.

Na gravidez as Hormonas Tiroideias são fundamentais para a futura mãe, mas também o são no desenvolvimento do embrião e do feto. Só a partir da 16-20ª semana de gestação é que a Tiroide fetal se desenvolve, pelo que, até cerca de metade da gestação, estas hormonas são exclusivamente provenientes da grávida. Porém, quer tenha ou não, a capacidade de produzir as suas próprias Hormonas Tiroideias, o feto e a futura criança estarão sempre (até à interrupção do aleitamento materno exclusivo) dependentes da ingestão de iodo pela mãe para as poder fabricar. É importante também ter em conta que as grávidas são, por si só, um grupo altamente vulnerável à deficiência de iodo. E isto acontece porque:

1. As necessidades deste elemento durante a gravidez estão aumentadas, uma vez que é necessário um aumento da produção das Hormonas Tiroideias para manter o normal metabolismo nesta fase;


2.
Durante a gravidez existe uma transferência de parte destas hormonas e de iodo para o feto;


3.
Existe um aumento do volume diário de urina durante a gravidez, o que faz com que as perdas urinárias de iodo estejam ampliadas.

 

De onde vem o iodo?

A ideia comum de que quem vive junto à praia está protegido contra a deficiência em iodo é um mito. A maioria do iodo que necessitamos para produzir as Hormonas Tiroideias provém da nossa dieta. Neste momento em Portugal a principal fonte de iodo é a ingestão de peixes capturados no mar, sendo que os de produção em aquacultura não ingerem por norma rações ricas em iodo. No nosso país são poucos os alimentos suplementados neste oligoelemento (um exemplo são alguns tipos de cereais para o pequeno-almoço) e o sal iodado é culturalmente pouco utilizado pela população (e sem qualquer controlo regular da real concentração em iodo). O leite de vaca, em alguns países, é suplementado com iodo, mas não em Portugal, pelo que apesar de ser um alimento essencial para uma dieta saudável da grávida, a sua ingestão tem um efeito quase neutro sobre o aporte deste nutriente.

Existe deficiência de iodo em Portugal?

A carência de iodo em Portugal está identificada desde os anos 50 do século XX. Recentemente vários estudos debruçaram-se novamente sobre esta temática. Entre 2005 e 2007 um trabalho de índole nacional avaliou uma amostra de 3631 grávidas e detetou, pela primeira vez, que no nosso país esta população se encontrava moderadamente deficitária em iodo, sem grandes diferenças regionais entre o litoral e o interior. Mais ou menos em simultâneo, um grupo de investigadores do Minho identificou o mesmo grau de carência na sua amostra de grávidas e levou a cabo um estudo de seguimento das crianças nascidas de mães com deficiência em iodo. Este trabalho detetou que os filhos destas gestantes tinham um desenvolvimento distinto com uma diminuição da atenção e redução ligeira das capacidades cognitivas e psicomotoras (apesar de manterem-se ainda no âmbito da “normalidade”).

Quais são as consequências da deficiência ligeira ou moderada em iodo durante a gravidez?

As consequências da deficiência ligeira ou moderada em iodo na gravidez são incertas. Se é verdade que algumas gestantes desenvolvem um estado de ligeiro Hipotiroidismo como resultado da escassez de iodo, outras, na mesma situação, apresentam valores de função tiroideia normais durante toda a gravidez. Muitos dos estudos realizados (entre os quais o já referido) revelaram existir pequenas diferenças no desenvolvimento psico-motor de crianças nascidas de mães em situação de carência ligeira a moderada de iodo. Porém, nem todos os trabalhos realizados em regiões com carência em iodo são consistentes com esta observação. Esta falta de coerência deve-se, provavelmente, à subtileza das alterações neurológicas e do desenvolvimento que apresentam muitas destas crianças nascidas em ambiente de deficiência ligeira a moderada de iodo e também à interferência de outros fatores no desenvolvimento cognitivo das crianças.

Como posso evitar as consequências da deficiência em iodo?

Pela escassez de dados nacionais sobre a situação da deficiência de iodo em Portugal até 2008 e pela falta de consenso sobre a suplementação universal de iodo nas mulheres grávidas, só em 2013 é que foram transpostas as diretivas internacionais da Organização Mundial da Saúde em forma de Orientação da Direção-Geral da Saúde (DGS).

Esta orientação propõe que, mesmo com uma dieta adequada e rica em produtos potencialmente fornecedores de iodo, todas as mulheres em preconceção, grávidas ou a amamentar (desde que não apresentem contraindicação clínica) devem receber um suplemento diário de iodo sob a forma de iodeto de potássio – desde o período pré-concecional, durante toda a gravidez (e enquanto durar o aleitamento materno exclusivo).

Tendo em conta assim a prevalência da deficiência de iodo na população de gestantes portuguesas, e uma vez que a dieta em Portugal é atualmente pobre em iodo (sendo poucos os alimentos suplementados), as organizações de saúde internacionais e a DGS propõem que se proceda à sua suplementação com 150 microgramas de iodo diários (em formulações isoladas ou em associação com outros suplementos) incluindo também as lactantes, situando o valor máximo aceitável de ingestão diária de iodo nos 600 microgramas, algo que é difícil de atingir mesmo se associarmos uma dieta rica em peixe oceânico.

Estou grávida
Escrito por
André Carvalho
Médico especialista em Endocrinologia e Nutrição do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Centro Hospitalar do Porto. Investigador em Neurociências no Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (3B's) da Universidade do Minho.